O Tarifaço e a encruzilhada do agro brasileiro

O Tarifaço e a encruzilhada do agro brasileiro

O tarifaço imposto pelos Estados Unidos em agosto de 2025, com sobretaxas que chegam a 50% sobre exportações brasileiras, não é apenas um desafio comercial: é um golpe na espinha dorsal do agronegócio. Se olharmos para os números, vemos a dimensão do problema. Em 2024, o Brasil exportou US$ 12,1 bilhões ao mercado americano, e agora estimativas da CNA e da FGV apontam que as perdas anuais podem variar entre US$ 5,8 bilhões e US$ 17 bilhões, dependendo do comportamento da demanda e da velocidade de adaptação do setor.

A carne bovina é o setor mais atingido: a Abiec calcula que deixaremos de exportar cerca de 200 mil toneladas, perdas superiores a US$ 1 bilhão apenas em 2025. Essa retração já força um redirecionamento: em agosto, o México ultrapassou os EUA como segundo maior destino da carne brasileira.

Na soja a situação é mais complexa. Não se trata apenas de perder espaço no mercado americano, mas de enfrentar maior concorrência de Argentina e Ucrânia em outros destinos estratégicos. A queda de competitividade pode pressionar preços internos e reduzir a renda do produtor, com reflexos diretos em estados como Mato Grosso, Goiás e Paraná, que concentram mais de 60% da produção nacional. O milho e o trigo, embora menos dependentes dos EUA, sentem o efeito indireto: maior oferta no mercado interno, queda nos preços pagos ao produtor e comprometimento da rentabilidade de cadeias ligadas à produção animal.

Outro setor emblemático é o leite, que mesmo não tendo os EUA como destino relevante, sofre de forma indireta. A retração no crédito rural e o excesso de grãos represados no mercado interno geram desequilíbrios na cadeia. Para regiões como Minas Gerais e Rio Grande do Sul, grandes polos leiteiros, isso pode significar uma retração de margens que já são historicamente estreitas.

Do ponto de vista regional, os impactos se espalham como ondas. O Centro-Oeste, motor da produção de soja e milho, vê-se diante da perspectiva de estoques elevados e preços deprimidos. O Sul, com forte dependência de proteína animal e leite, sente o efeito na integração agroindustrial. E o Sudeste, onde exportadores de café, laranja e açúcar se concentram, enfrenta o peso das tarifas em mercados historicamente consolidados.

Em curto prazo, 2025 será um ano de ajuste forçado, com produtores renegociando dívidas, indústrias buscando novos destinos e cooperativas pressionando por crédito emergencial. Em médio prazo, entre 2026 e 2027, veremos uma consolidação de novos mercados – México, Vietnã, Oriente Médio – que já começam a absorver parte dos volumes desviados dos EUA. E, a longo prazo, até o fim da década, o agro brasileiro terá que fortalecer ainda mais sua competitividade com rastreabilidade, sustentabilidade e inovação tecnológica, se quiser manter sua posição de liderança global.

O tarifaço é um choque externo, mas também um teste de resiliência. A história mostra que o agronegócio brasileiro sempre soube se reinventar diante das crises. Agora, mais uma vez, cabe ao setor transformar adversidade em oportunidade. Se o impacto imediato é de perdas bilionárias e retração regional, o futuro pode ser de reposicionamento estratégico, diversificação comercial e fortalecimento interno. O Brasil ainda é uma potência agroalimentar. Mas o tarifaço nos lembra que protagonismo global exige, além de produção abundante, diplomacia forte, competitividade constante e visão estratégica.

Ana Paula Alf Lima Ferreira
Doutora em Agronegócio – UFRGS
Mestre em Administração – UFSM
Graduada em Administração – UNICRUZ
Professora do Curso de Administração da UNICRUZ e do Mestrado Profissional em Desenvolvimento Rural da UNICRUZ

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