POR Lebna Landgraf
Com a maior oferta e ampliação do uso de bioinsumos nas lavouras, muitos produtores estão aproveitando abertura na legislação vigente para produzir na fazenda os insumos biológicos para consumo próprio. Embora possa resultar em redução de custos, a chamada produção on farm traz riscos para as culturas, para a saúde e para a cadeia produtiva. O alerta foi dado por pesquisadores durante a segunda parte do painel “Produção e uso de insumos biológicos na sojicultura”, realizado durante o IX Congresso Brasileiro de Soja e Mercosoja, em Foz do Iguaçu (PR).
Apresentando dados de pesquisas realizadas por diferentes unidades da Embrapa com amostras coletadas em fazendas de Mato Grosso e Goiás, Mariangela Hungria mostrou exemplos de produção on farm de controladores biológicos em que mais de 90% das amostras não tinham o microrganismo desejado. O mesmo ocorre com a produção de inoculantes, chegando ao extremo de nenhuma amostra analisada conter as bactérias esperadas.
De acordo com ela, além de o produtor não estar aplicando na lavoura a quantidade recomendada dos bioinsumos, ele corre grande risco ao inserir contaminantes que podem trazer riscos fitossanitários, à saúde de quem manejará e consumirá os produtos e ao mercado.
“É um perigo muito grande para o consumo e exportações. Pegando esses contaminantes em nossos produtos exportados poderíamos ter problemas”, alertou a pesquisadora exemplificando com casos recentes de contaminação de chocolate.
A pesquisadora Rose Monnerat, da Embrapa Recursos Genéticos, por sua vez, apresentou casos exitosos na produção on farm, como os dos grupos Agrosalgueiro e Scheffer. Em ambos foram montadas biofábricas e laboratórios com equipe técnica qualificada para acompanhar a produção e fazer o controle de qualidade. De acordo com ela, nos casos destes grandes grupos, o investimento foi recuperado em um ano, sobretudo com a redução do uso de químicos, que variou de 53 a 60%.
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Monnerat destacou que é preciso diferenciar os tipos de produção on farm, uma vez que nem todos seguem os parâmetros adequados de produção. Para subsidiar a correta implantação das biofábricas de uso próprio, ela mostrou protocolos de controle de qualidade desenvolvidos pela Embrapa que servem como referência. Neles são indicados os procedimentos para identificação morfológica dos microrganismos, determinação de pH, teor de ingrediente ativo, testes de avaliação de eficácia do produto biológico e procedimentos para avaliação da presença de contaminantes. Também são indicadas as etapas para implementação das biofábricas. Outro ponto fundamental é a capacitação técnica da equipe.
“Casos de sucesso são de grandes produtores porque equipamentos, estrutura e equipe são caros e pouco acessíveis para pequenos produtores”, afirma Monnerat.
Legislação
Embora o uso de bioinsumos no controle fitossanitário seja uma prática recente, ele vem sendo disciplinado por legislação existente há mais de 30 anos. Para esclarecer a situação legal da produção on farm, a advogada da Figueiredo & Santos Advogados Associados Lídia Cristina dos Santos também participou do painel.
Ela informou que o uso de bioinsumos para controle fitossanitário está disciplinado pela Lei 7.802/89. Ela estabelece que produtos e empresas produtoras devem ser previamente registrados em órgãos federais competentes, como Anvisa, Mapa e Ibama. Posteriormente, o Decreto 4.074/02 obrigou o registro de pessoas e empresas que produzem agrotóxicos e seus componentes e afins em órgãos estaduais e municipais para que possam ser fiscalizados.
De acordo com a palestrante, o Decreto 6.913/2009, ao regulamentar a Lei 7.802/89, estabeleceu uma regra de exceção, não prevista em lei, que garante isenção de registro para produtos fitossanitários com uso aprovado para a agricultura orgânica produzidos exclusivamente para uso próprio. Embora esse decreto seja entendido como ilegal pela procuradoria jurídica do Mapa, Ibama e Anvisa, até que seja declarada ilegal pelo Poder Judiciário, a isenção de registro segue vigente, viabilizando a produção on farm.
Modernização da lei
Para tentar organizar o ordenamento legal, há diferentes projetos de lei em tramitação na Câmara e no Senado e já foram realizadas audiências públicas para discutir o tema.Preocupada com a questão, Mariângela Hungria trouxe para o painel o exemplo da construção da regulamentação dos inoculantes.
Em vigência desde 2012, ela foi construída de forma conjunta entre a pesquisa, a indústria e legisladores. O êxito obtido fez com que a lei brasileira fosse copiada por outros países, como a Austrália. Para a pesquisadora da Embrapa Soja, a definição de uma nova lei sobre bioinsumos, se não for bem-feita, prevendo mecanismos de controle de qualidade, pode colocar em risco conquistas obtidas com os inoculantes.
“Este novo projeto de lei precisa prever o controle de qualidade independente, feito por terceiros. Se não tiver isso na lei, a gente vai correr o risco de que tudo que conquistamos seja perdido. Por que não nivelar tudo por cima? Se temos uma legislação boa para inoculantes, por que não aproveitar isso?”, questiona Mariângela Hungria.
Para Hungria, qualquer um pode produzir on farm, desde que seja orientado por profissional qualificado, com registro do estabelecimento e controle do produto, com respeito à pesquisa e à propriedade intelectual, com segurança à saúde humana, animal e das plantas e respeito ao meio ambiente.
Rose Monnerat reforçou essas preocupações e destacou a necessidade de se modernizar a legislação, ampliar a oferta de informações, a capacitação técnica de pessoas para conduzirem essas produções e de ter o controle de qualidade. “Antes de ter medo de ser fiscalizada, a pessoa tem que ter consciência sobre o que ela está fazendo e o que está colocando em sua lavoura”, alertou a pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos.
A advogada Lídia Santos ressaltou ainda que embora a legislação atual permita a produção on farm e o isente de fazer o registro, o produtor precisa estar atento ao controle de qualidade do produto, pois problemas decorrentes de contaminações podem resultar em crimes de ordem ambiental, por exemplo. Para ela, é preciso que os novos instrumentos jurídicos disciplinem de forma mais clara a questão e que haja mais informações para os produtores sobre os riscos da atividade.
O painel “Produção e uso de bioinsumos na sojicultura” foi moderado por Adeney Freitas Bueno, que também é o presidente do Congresso.
CB Soja e Mercosoja
O IX Congresso Brasileiro de Soja e Mercosoja estão sendo realizados de 16 a 19 de maio no Rafain Palace Hotel & Convention Center, em Foz do Iguaçu (PR). Os eventos são promovidos pela Embrapa Soja e têm como tema “Os desafios para a produção sustentável no Mercosul”.
A programação conta com seis conferências e 18 painéis, totalizando 50 palestras. Também estão sendo apresentados 287 trabalhos técnicos em formato de pôster ou oralmente.
O evento conta ainda com a Arena de Inovação Soja, onde participantes do ecossistema brasileiro de inovação podem se integrar, e uma feira de expositores, na qual 35 empresas apresentam as mais recentes tecnologias desenvolvidas para a cadeia de produção de soja.