Prejuízo estimado é de quase R$ 20 milhões
O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a apreensão de 1.405.800 quilos de sementes irregulares de soja em Santiago (RS). A suspeita é de que os produtos seriam destinados ao comércio ilegal de sementes, configurando prática de pirataria. O valor estimado das sementes é de R$ 19.681.200, considerando R$ 14 o quilo. A apreensão ocorreu no dia 1º de outubro de 2024, porém, o processo corria em segredo de justiça.
A ação foi proposta pela CropLife Brasil (CLB), associação que reúne as fabricantes das sementes apreendidas. Os réus são acusados de violação dos direitos de Propriedade Intelectual, artigos 9º e 37º da Lei de Proteção de Cultivares (LPC, Lei nº 9.456/97). Uma liminar permitiu a apreensão do material. Amostras das sementes foram coletadas para realização de perícia.
Uma investigação apontou indícios de pirataria. As sementes eram negociadas a R$ 4,50/kg, valor quase 70% abaixo do preço de mercado. Além disso, a comercialização não tinha nota fiscal, emissão de recibo ou qualquer documento que comprovasse a origem das sementes. Os próprios acusados declararam que as sementes eram “saco branco”, denominação que evidencia a prática ilegal. Os réus também não possuem cadastro de armazenador, comerciante, beneficiador ou produtor de sementes no Registro Nacional de Sementes e Mudas (RENASEM).
Maior apreensão da história
Essa foi a maior apreensão de sementes piratas por meio de uma iniciativa da indústria. As demais apreensões em 2024 foram de pouco mais de 80 toneladas, ocorridas em Jataí (GO) e Luís Eduardo Magalhães (BA). Em julho do ano passado, um produtor do Norte do estado foi condenado por pirataria de sementes de soja.
Além de Santiago, os acusados têm propriedades em Alegrete, ManuelViana, Capão Cipó, Bossoroca, Alegrete e Uruguaiana, no RS, além de Dom Eliseu (PA) e Santa Fé do Araguaia (TO). Eles são considerados um dos maiores produtores e comerciantes ilegais do estado, com volume em torno de 100 mil sacas. O grupo também conta com uma frota que inclui carretas e helicópteros.
Uma decisão liminar prevê multa diária de R$ 50 mil caso haja reincidência de pirataria até que o processo seja finalizado. Se condenados, os réus deverão pagar indenização por danos materiais e morais às empresas.
Prejuízo aos cofres públicos
Segundo dados da Associação Brasileira dos Produtores de Sementes de Soja (ABRASS), estima-se que 30% de toda a semente de soja utilizada no País é proveniente do mercado informal, que engloba o uso próprio ou a comercialização ilegal, que caracteriza a semente pirata. A Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem) diz que, apesar da semente de soja representar menos de 10% do custo de produção, cerca de 29% da soja plantada no Brasil é pirata.
Os cofres públicos também são lesados com a pirataria de sementes, já que os negócios não têm o recolhimento de tributos. Ainda de acordo com a ABRASS, a pirataria de sementes de soja provoca a perda de arrecadação de R$ 2 bilhões ao ano. Na apreensão ocorrida em Santiago, a projeção é de que o prejuízo aos cofres públicos chegaria a R$ 10 milhões.
Prejuízos de produtividade
A diretora de Biotecnologia e Germoplasma da CropLife Brasil, Catharina Pires, explica que o comércio ilegal de sementes é uma prática que prejudica toda a cadeia agrícola.
“Além dos riscos envolvidos pela falta de certificação e os problemas relacionados a qualidade do produto ofertado, é necessário ressaltar o prejuízo causado a todo sistema de inovação para o melhoramento genético de sementes e mudas. Esta é uma atividade essencial para manter altos patamares de produtividade agrícola, bem como trazer soluções para a pressão de pragas, doenças e desafios climáticos no campo.”
No Brasil, a LPC confere proteção às sementes pois é a partir delas que serão multiplicadas as cultivares, variedades de plantas produzidas por melhoramento genético pela seleção e cruzamento de diferentes características, como produtividade e estresse hídrico, por exemplo.
“Antigamente era impensável que culturas como a soja e o milho pudessem ser cultivadas no Centro-Oeste, por exemplo, e após intenso esforço de Pesquisa e Desenvolvimento para adaptar cultivares ao nosso clima e solo, o Brasil se transformou de importador para exportador mundial de alimentos”, comenta Pires.
A cultura da soja no Brasil foi a que mais cresceu nos últimos 50 anos. Dados da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) da Universidade de São Paulo (USP) mostram que a produtividade do grão aumentou em média 40 quilos por hectare ao ano. Entre os fatores apontados estão métodos agrícolas avançados, fertilizantes e sementes de qualidade. De acordo com a Embrapa, em 1970, a produção brasileira era de 1,5 milhões de toneladas. A projeção do IBGE para a safra de soja de 2024/2025 prevê recorde de 167,3 milhões de toneladas.
Impunidade para os infratores
O trabalho intelectual de pesquisa e desenvolvimento de novas cultivares é protegido pela LPC, cujos obtentores têm direito exclusivo de exploração ou licenciamento para comercialização por terceiros.
“Porém, a pirataria de sementes no Brasil ainda não tem impacto na esfera criminal para os infratores, apesar dessa prática ilegal ser prevista como crime pela Lei de Proteção de Cultivares. Diferente do que acontece nas infrações na indústria cinematográfica, musical ou, por exemplo, da patente de uma máquina agrícola, que recebem da Lei tratamento específico que leva à penalização criminal dessas condutas de violação à propriedade imaterial” explica o advogado, especialista em propriedade intelectual, Eduardo Hallak.
Canal para denúncias
A CropLife Brasil realiza ações de combate à pirataria de insumos e possui um canal de denúncias para receber informações sobre produtos ilegais no campo como defensivos agrícolas e sementes piratas. As denúncias, que podem ser anônimas, são endereçadas pela própria associação e encaminhadas para as autoridades públicas. Os produtores são encorajados a denunciar o comércio de sementes sem procedência ou com outras irregularidades. Segundo dados do Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), a pirataria movimenta mais de R$ 20,8 bilhões ao ano, se considerarmos todos os insumos agrícolas.
COMO IDENTIFICAR SEMENTES PIRATAS E SEMENTES CERTIFICADAS Semente Pirata Bolsa branca ou big bag reutilizado, sem informações obrigatórias nas embalagens; Sacaria nova tipo bolsa branca sem identificação do produtor ou informações da semente; Sacaria reutilizada de semente, ração, adubo, etc; Sacaria e big bags com anotações manuais; Big bags de sementeou fertilizante reutilizados; Transporte de grãos em épocas de pré- plantio; Nota de grão comercial acobertando semente pirata; Grãos sem impurezas transportados em big bags; Semente pirata transportada a granel em caminhão; Grãos comerciais padronizados; Preço muito abaixo do preço de mercado. Semente Certificada Embaladas em sacaria inviolada ou em big bags novos e lacrados nas duas extremidades (etiqueta, rótulo ou carimbo), contendo razão social e CNPJ ou nome e CPF, endereço e indicação do nº de inscrição no Registro Nacional de Sementes e Mudas (RENASEM) impresso na sacaria e a expressão: “semente reembalada”, quando for o caso, bem como as informações de qualidade e garantias legais da semente ofertada para venda; Venda e transporte realizados com a emissão e acompanhamento da nota fiscal e do certificado ou termo de conformidade, que asseguram a procedência legal do lote comercializado, análise e atendimento ao padrão nacional de sementes estabelecido pelo MAPA. |