Ante as estimativas de que as exportações brasileiras de carne bovina deverão crescer em 2022, devemos ficar atentos ao alerta que ecoou na COP 26, em novembro último, sobre a emissão de metano, um dos gases de efeito estufa, pelo rebanho nacional. É hora de desmitificar essa questão, impedindo que uma pretensa causa ecológica conspire e prejudique a produção da mais rica fonte de proteína para alimentação humana e atividade importante para a economia e a balança comercial do País.
De acordo com especialistas no tema, a “acusação” contra o gado brasileiro não procede. Decorre de uma distorção da metodologia de cálculo utilizada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), organismo ligado à ONU e responsável pela agenda relativa ao aquecimento global. Em primeiro lugar, cabe esclarecer que o chamado metano entérico, gerado no estômago dos mamíferos ruminantes e expelido pela eructação, o popular arroto, origina-se na fermentação da grama comida pelo animal. Porém, o pasto, como todo vegetal, realiza a fotossíntese, capturando gás carbônico da atmosfera e liberando oxigênio, estabelecendo-se uma compensação.
A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), referência mundial no conhecimento científico do agronegócio, estuda esse balanço de carbono. Em certas situações, constatou maior índice de captura do que de emissão de gases de efeito estufa na pecuária nacional. No entanto, o IPCC não aceita tal metodologia de cálculo. Outro aspecto desconsiderado pelo órgão é que as moléculas de metano têm vida útil de apenas 14 anos na atmosfera. O gás carbônico, gerado pela queima de combustíveis fósseis e de florestas naturais, é estável por mais de um século. Tal diferença minimiza de modo expressivo a “culpa” dos bois pelas mudanças climáticas.
Também é interessante observar que, no período chuvoso, a emissão de metano nos pastos é cerca de nove vezes menor do que no período seco, quando as pastagens são escassas e apresentam menos nutrientes. É o que demonstra trabalho realizado por Marcílio Nilton Lopes da Frota, analista da Embrapa Meio-Norte, em sua tese de doutorado. É mais um estudo sério, com critério absolutamente científico, que se contrapõe a pesquisas de outros países sobre o pretenso impacto ambiental da pecuária brasileira devido à emissão de metano pelos rebanhos, em especial o bovino.
Estudos da Embrapa, com a participação de 350 pesquisadores, mostraram que a remoção de carbono da atmosfera em pastagens bem-manejadas pode ser maior do que o volume emitido pelos bovinos. A conta é muito favorável ao meio ambiente. Em 2018, aliás, foi publicado trabalho da Universidade do Estado de Michigan, nos Estados Unidos, que corroborou os resultados das pesquisas brasileiras.
Todos esses esclarecimentos precisam ser divulgados internacionalmente e colocados com transparência e firmeza nos fóruns de discussão sobre mudanças climáticas. Não podemos continuar sob o risco de pressões e ameaças de embargos à carne brasileira, justificadas por falsas premissas ambientais, como aconteceu em iniciativas recentes de entidades e órgãos da Europa e dos Estados Unidos. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), nosso país possui o maior rebanho bovino, com 213,52 milhões de cabeças, seguido da Índia, China e Estados Unidos. Ou seja, somos decisivos no abastecimento mundial de proteínas animais.
No cenário global ainda influenciado pela pandemia e conturbado por conflitos bélicos, principalmente a invasão da Rússia à Ucrânia, são crescentes os riscos ao comércio exterior, oferta de produtos, dificuldades logísticas e segurança alimentar. A grave conjuntura enseja a definitiva absolvição ecológica do rebanho bovino brasileiro e uma pergunta que não quer calar: e a China, Índia e Estados Unidos? O gado que lá arrota não arrota como cá? Desculpe-me, Gonçalves Dias, por usar ideia semelhante à de um verso da maravilhosa “Canção do Exílio”, mas é preciso acabar com essa conversa pra boi dormir…
Por João Guilherme Sabino Ometto, Engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos — EESC/USP), empresário e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).