Mais que sucessão: o campo constrói legado

Mais que sucessão: o campo constrói legado

A advogada e especialista em agronegócios Patrícia Iserhardt aborda a importância do planejamento sucessório no campo, destacando a valorização das mulheres nas propriedades rurais e a sucessão como ato de cuidado, diálogo e preservação do legado familiar.

Em minhas pesquisas com famílias rurais, constatei que muitas delas não tinham qualquer plano estruturado para a sucessão, e que as filhas raramente eram consideradas sucessoras. Esse dado revela um traço cultural ainda forte no campo brasileiro: a gestão e a herança continuam sendo vistas como destino quase exclusivo dos homens, mesmo quando as mulheres já participam ativamente da rotina administrativa e produtiva das propriedades.

Os relatos colhidos mostraram que, em boa parte dos casos, a sucessão só é discutida em situações de crise, como doença ou falecimento do patriarca. Essa demora não apenas dificulta a transição, mas também gera tensões familiares, disputas silenciosas e decisões tomadas às pressas. Em alguns exemplos, ficou nítido que a falta de clareza sobre direitos e responsabilidades afastou herdeiros preparados e engajados, deixando a continuidade da propriedade em risco.

Esse cenário traz um alerta. No campo, sucessão não pode ser tratada apenas como partilha de bens. É um processo que envolve preparar as futuras gerações, organizar juridicamente o patrimônio e criar um ambiente de diálogo dentro da família. Sem isso, a transição tende a fragilizar tanto a gestão da propriedade quanto os vínculos entre os familiares.

Planejar a sucessão é, acima de tudo, um ato de cuidado. Significa pensar na continuidade do negócio, mas também na preservação da harmonia. Quando conduzida de forma preventiva e organizada, a sucessão traz clareza sobre papéis, fortalece a governança e dá condições para que os herdeiros assumam responsabilidades de maneira estruturada.

Outro ponto fundamental é o reconhecimento do papel das mulheres. Embora muitas vezes invisibilizadas, elas têm assumido funções estratégicas nas propriedades rurais. Filhas, esposas e netas vêm mostrando que não são apenas coadjuvantes, mas gestoras preparadas para dar sequência ao legado familiar. Valorizar essa presença feminina não é apenas uma questão de equidade, mas também de estratégia para o futuro dos agronegócios.

A sucessão no campo, portanto, vai muito além do inventário. Ela deve ser encarada como oportunidade de evolução, preservando não só a terra, mas também os valores, os vínculos e a história de quem construiu a propriedade.

Porque, no fim das contas, juridicamente pode ser sucessão, mas na prática do campo é legado.

Patrícia Iserhardt

Advogada, especialista em proteção patrimonial e empresarial, mestre e doutoranda em Agronegócios pela UFRGS. Autora do livro Planejamento Patrimonial e Sucessório: os arranjos jurídicos utilizados pelas empresas familiares rurais, atua na orientação de famílias empresárias rurais na organização da sucessão e na preservação do legado familiar.

(55) 99720 8238
@patriciamiserhardt
patriciaiserhardt@sucessaonoagro.com

display: block

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *