Por Décio Luiz Gazzoni, engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica
Você sabia que o governo do Brasil possui dois programas para monitorar resíduos de pesticidas nos alimentos produzidos pela agricultura brasileira?
Um deles é conduzido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), regulamentado pela Portaria Anvisa nº 1.081, de 27/09/23, denominado de Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA). O outro é chamado de Programa Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes em Produtos de Origem Vegetal (PNCRC/Vegetal), e foi instituído pela Portaria SDA nº574, de 9/5/22, sendo conduzido pela Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) do Ministério da Agricultura (MAPA).
Antes de prosseguir, é fundamental para o entendimento do tema, abordar os conceitos dos principais parâmetros toxicológicos envolvidos: Limite Máximo de Resíduo (LMR): quantidade máxima de resíduo de agrotóxico oficialmente aceita no alimento, em decorrência da sua aplicação adequada, desde sua produção até o seu consumo, expresso em miligrama de resíduo por quilograma de alimento. Ingestão Diária Aceitável (IDA): quantidade estimada de substância presente nos alimentos que pode ser ingerida diariamente, ao longo da vida, sem oferecer risco à saúde do consumidor, expressa em miligrama de substância por quilograma de peso corpóreo. Para assegurar que a saúde do consumidor está devidamente protegida, no cálculo da IDA, a maior dose que NÃO ocasionou quaisquer alterações metabólicas nos organismos em teste é dividida por 100.
Assim, a IDA representa apenas 1% da dose que NÃO causou qualquer problema de saúde nos animais em teste. Logo, a probabilidade de que o valor calculado da IDA venha a causar algum problema de saúde em humanos é muito baixa, quase nula.O PARA O programa tem como principal objetivo monitorar resíduos de agrotóxicos em alimentos de origem vegetal, visando mitigar o risco à saúde decorrente da exposição a essas substâncias pela dieta, a partir dos resultados das análises das amostras coletadas. Desde a sua criação, em 2001, já foram analisadas 40 mil amostras provenientes de 36 tipos de alimentos de origem vegetal.
De acordo com a ANVISA, os resultados possibilitam traçar um diagnóstico da utilização de agrotóxicos nos alimentos de origem vegetal. Consequentemente, são fornecidos subsídios para a implementação de ações de natureza regulatória, fiscalizatória e educativa. Os resultados também permitem refinar a avaliação da exposição aos resíduos de agrotóxicos presentes nos alimentos.
O relatório da ANVISA indica que, no período de 2013 a 2022, foram pesquisados resíduos referentes a 342 ingredientes ativos, em 21.735 amostras de 36 alimentos. Segundo o documento, “não houve extrapolação da Ingestão Diária Aceitável (IDA) para nenhum dos agrotóxicos avaliados, de modo que não foram identificadas situações de potencial risco crônico à saúde dos consumidores, considerando-se a faixa etária acima de 10 anos de idade, que é a população abrangida na última pesquisa publicada dos dados de consumo de alimentos no país (Pesquisa de Orçamentos Familiares POF/IBGE de 2008-2009)”.
Em linha com os resultados obtidos, uma das conclusões do relatório é “Dessa forma, os resultados de monitoramento e avaliação do risco compilados neste relatório, correspondentes às análises de diversos alimentos que fazem parte da dieta básica do brasileiro, indicam que os alimentos consumidos no Brasil são seguros quanto aos potenciais riscos de intoxicação aguda e crônica advindos da exposição dietética a resíduos de agrotóxicos.”
PNCRC/Vegetal
O PNCRC/Vegetal tem como objetivo principal monitorar a qualidade e a segurança dos produtos de origem vegetal produzidos e consumidos em todo o território nacional, quanto à ocorrência de resíduos de agrotóxicos e contaminantes químicos, físicos e biológicos. As amostras são coletadas por Auditores Fiscais Federais Agropecuários ou servidores públicos devidamente treinados, e é realizada preferencialmente em estabelecimentos beneficiadores e/ou embaladores, atacadistas e em centrais de abastecimento.
Há uma preocupação do MAPA com a rastreabilidade, pois permite seguir o fluxo do produto amostrado, dentro da cadeia produtiva. Ela possibilita o monitoramento e a fiscalização de todas as não conformidades identificadas e a ampliação da relação de culturas vegetais monitoradas, do número de amostras coletadas e do número das substâncias analisadas, visando melhorar a representatividade do monitoramento na produção nacional.
Dessa maneira os profissionais da SDA podem desenvolver ações integradas no intuito de incentivar a implantação das Boas Práticas Agrícolas (BPA), com o uso correto dos agrotóxicos e até mesmo a sua minimização.
Os resultados do período 2015-2020 estão disponíveis no link , e mostram que 6755 (90,9%) amostras estavam conformes e 674 não conformes. A maior parte das não conformidades se deve à falta de registro de uso do produto nas culturas nas quais foram identificados resíduos. Em outros casos foram detectados resíduos, porém inferiores ao máximo permitido (LMR).
Alimentos seguros
Embora o MAPA conduza o assunto com o rigor da lei, a detecção de uso de produtos não registrados para determinada cultura é uma infração administrativa, e não significa que a saúde dos consumidores esteja em risco, porque os mesmos produtos estão registrados para uso em outros cultivos, atendendo a todos os requisitos.
Julgamos importante traçar um paralelo com outros países, que mantém programas similares aos nossos, para verificar a presença de resíduos de pesticidas em alimentos.
Entre outubro de 2020 e setembro de2021 a Agência de Alimentos dos EUA (FDA) analisou 1.367 amostras de alimentos. A agência concluiu que 96,7% dos alimentos domésticos e 89,3% dos importados estavam em conformidade com os padrões da legislação norte-americana . Não foram detectados resíduos de agrotóxicos em 35% das amostras nacionais e 44,5% das importadas. Assim, os resultados obtidos no Brasil são muito similares aos verificados nos EUA, o que nos garante aderência aos padrões internacionais de segurança. Valor quase igual (96,6% de conformidade) foi obtido no Canadá, conforme a Agência de Inspeção de Alimentos daquele país LINK.
Concluindo, o consumidor brasileiro pode ficar tranquilo, por dois motivos. O primeiro, é porque o índice de conformidade resultante das análises dos alimentos é elevado. Segundo, porque os parâmetros toxicológicos utilizados embutem uma elevada margem de segurança, que é uma garantia da proteção da saúde do consumidor.