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Novas ferramentas genéticas e as mudanças climáticas

Novas ferramentas genéticas e as mudanças climáticas

Desde o ano de 2021 que observamos um acirramento nas mudanças climáticas. Cada vez mais são registrados eventos climáticos extremos, os quais apresentam maior frequência, duração e intensidade. Sua velocidade de avanço é de tal ordem que, o recorde de dia mais quente da História ocorreu em 4/7/23, mas foi superado em 24 horas, estabelecendo-se novo recorde em 5/7/23 .

No que tange à agricultura, tanto o excesso quanto a falta de chuvas podem representar a diferença entre produzir ou não produzir, ser rentável ou ser expulso do negócio. Para o consumidor, significa ter ou não acesso a alimentos, com preços estáveis ou elevados.

As mudanças climáticas representam, atualmente, o maior desafio a ser enfrentado pelas cadeias produtivas da agricultura. E dentro delas, o desenvolvimento tecnológico é a grande esperança de mitigar emissões na produção agrícola e efetuar as adaptações necessárias para dimnuir os impactos dos eventos climáticos extremos.

Para tanto, diversos componentes tecnológicos dos sistemas de produção serão úteis. Além das ferramentas clássicas, é imporante considerar as inovadoras, como as técnicas de edição de genoma. No Brasil, essa linha de pesquisa é denominada de Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão – TIMPs , que merece uma análise particularizada.

Segurança

Sempre que uma inovação importante surge no meio científico, há uma preocupação dos cientistas com a segurança de seu uso. No caso da produção agrícola, a avaliação de risco é importante para garantir a segurança dos alimentos, sempre lastreada em informações científicas inequívocas. É comum haver um risco, contido em uma amplitude aceita pela sociedade, transcrita nos regulamentos, a qual pode variar de negligível a preocupante.

A discussão sobre TIMPs é potencializada com a necessidade de adaptar a agricultura a um ambiente de aceleração das mudanças climáticas. E, dentro da discussão, está a segurança de seu uso para os consumidores. Países grandes produtores de grãos (Brasil, Argentina, EUA, Canadá entre outros), estabeleceram legislaçoes nas quais, quando não há introdução de DNA de outra espécie, a planta com genoma editado poderá ser considerada não transgênica.

Para balizar a questão conceitual, vamos partir de um princípio socialmente aceitável: se o risco de um novo alimento for igual ou menor que seus similares já existentes no mercado, ele deve ser aprovado para consumo. Do ponto de vista científico, esse conceito é plasmado no princípio da equivalência substancial, a qual é muito utilizada para medicamentos.

Utilizando as TIMPs é possível remover um gene, silenciá-lo ou alterá-lo para que não seja expresso, ou que sua expressão ocorra em níveis maiores ou menores. Aí vem a pergunta: Qual o risco envolvido nessa ação? Tracemos um paralelo com o que ocorre na Natureza. Estima-se que o genoma da soja contenha 55 mil genes. De maneira geral, as taxas de mutação natural de seres vivos variam entre 1:100.000 e 1:1.000.000.

Assim, é plausível a ocorrência de mutações no genoma da soja, pelo fato de ser cultivada em mais de 140 Mha no mundo. Logo, as mutações naturais no genoma da soja seriam em número muito maior do que aquelas introduzidas por cientistas, sob absoluto e estrito controle, e com um objetivo e um alcance restritos. Ou seja, o risco é baixo, aceitável e controlável.

Riscos e regulamentos

É impossível regular as taxas de surgimento de novos caracteres advenientes de mutações naturais. Entretanto, na natureza, se a mutação for benéfica, a característica tem alta probabilidade de ser transmitida e fixada na descendência. No caso de cultivos agrícolas, além da natureza temos que considerar o fator humano.

Por exemplo: se, além de beneficar a planta de soja, uma nova característica também for benéfica para a espécie humana, nós, os humanos, nos incumbiremos de fixar e e ampliar a sua ocorrência! Aí vem a questão: se é impossível regular uma mutação natural, totalmente aleatória, quão severa deve ser a regulação de mudanças em genes, promovidas por TIMPs, altamente direcionadas e controladas? Estudos já demonstraram a enorme dificuldade para distinguir uma mutação feita por CRISPR – uma das TIMPS – de uma mutação natural. A polêmica se potencializa porque o processo regulatório costuma ser muito caro e demorado. E os consumidores pagarão pelo custo e pelo atraso. Lembrando que, no caso das mudanças climáticas, estamos correndo contra o tempo.

Ciência e mudanças climáticas

Existem plantas (e animais) com adaptação a todas as condições climáticas existentes no planeta, tolerantes à seca, salinidade e encharcamento do solo. Plantas (cultivadas ou não), submetidas à pressão de seleção de eventos climáticos adversos, vão fixar mutações naturais que lhes confiram capacidade de adaptação. Só que isto pode demorar séculos ou milênios.

E o mundo não pode esperar, porque as mudanças climáticas se acirram em uma escala de meses e de não de séculos. Então, por que não acelerar o processo, com o uso de TIMPs? Será que alterar, de forma controlada, dois ou três genes – para tolerar estresse hídrico – entre milhares de genes de uma planta, é uma mudança que implica em elevado risco de consumo do produto obtido? Nos regulamentos em vigor em diversos países, se a tolerância à seca já existir em uma determinada espécie, e essa característica for potencializada com o uso de TIMPs, o produto obtido poderá NÃO necessitar de regulamentação adicional. Os regulamentos precisam ser apropriados ao risco, e aplicados quando houver uma mudança genômica significativa.

Entrementes, esse não é o caso da União Europeia, a qual tem pautado a segurança da produção e do consumo de alimentos pelo príncipio da precaução, que nada tem a ver com análise de risco. O medo e a incerteza dos produtos obtidos por meio de TIMPs permeiam o seu processo regulatório, emulando o que já ocorre com biotecnologia ou com pesticidas.

A Europa sempre foi um grande polo científico e de inovação. A manutenção desta abordagem, em face da premência de soluções para mudanças climáticas, deslocará o eixo inovativo para fora do continente, bem como a produção de alimentos na Europa perderá competitividade conforme o ambiente produtivo se tornar mais inóspito.

Futuro

É difícil traçar um cenário da evolução das mudanças climáticas no longo prazo, e como serão as respostas da Natureza e da Ciência, para que os cultivos agrícolas a elas se adaptem. As mutações naturais não constituem alternativa viável para garantir a oferta de alimentos, em especial considerando uma demanda crescente nas próximas décadas.

A solução mais apropriada é uma tríade composta por: a) portentosos investimentos em Ciência e Tecnologia, para encontrar as melhores soluções para adaptação da agricultura às mudanças climáticas; b) sistemas regulatórios equilibrados e harmonizados, de maneira a garantir a segurança dos alimentos, sem impor custos e prazos desnecessários; c) rápida e abrangente adoção das inovações por parte dos agricultores, para garantir a oferta de alimentos a todos os consumidores.

Por Décio Luiz Gazzoni, o autor é engenheiro agrônomo, pesquisadores da Embrapa Soja, e membro do Conselho Científico Agro Sustentável

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